quarta-feira, 30 de abril de 2008

A sopa

Ao som daquele assovio, imediatamente seus olhos voltaram-se para a porta. Olhos de moça de 23 anos em corpo de 81, imobilizado, preso a uma cama. Ele disse algumas palavras. Ela escutou. Será que entendeu? Nada mais importava, agora.
Ele começou a dar-lhe a sopa que era sorvida com fome de décadas. Colherada após colherada. Palavra por palavra. Ela se alimentava de tudo: um sorriso, o cheiro da colônia, suas mãos que iam e vinham do prato de sopa. Sua voz.
Durante quase 50 anos, ele a maltratou, humilhou e pisou. Usou e abusou. Não tinha hora para chegar e saia no momento que bem entendia. Da cidade de São Paulo conheceu o melhor e o pior, fez dela sua casa. Vivia a dançar, passear, conversar e rir.
Por toda a vida ela o amou, serviu e idolatrou. Lavou e passou. Esperava pelo assovio e por sua presença por alguns momentos. Tinha hora para tudo: almoço ao meio-dia, chá às quatro horas, licor de jabuticaba em outubro, goiabada em fevereiro. Seu mundo era picar, refogar, cozer, remendar, plantar e chorar.
Ela comeu toda a sopa, então, respirou mais uma vez o seu ar.
Ficaria por aqui por mais algum tempo, somente por mais um assovio, somente por mais uma colherada de sopa.


Sopa de mandioquinha e maracujá


4 pessoas



Ingredientes

800g de mandioquinha sem pele
1 cebola ralada
1colher de sopa de azeite
2 litros de caldo de frango
1 maracujá maduro
Cebolinha verde para enfeitar

Preparo

Pique a mandioquinha em cubos.
Numa panela refogue a cebola no azeite.
Adicione a Mandioquinha, refogue.
Acerte o sal.
Adicione o caldo de frango, deixe cozinhar.
Bata no liquidificador.
Abra o maracujá e coe seu suco.
Adicione o suco de maracujá à sopa.
Se necessário, adicione uma pitada de açúcar.
Ao servir, enfeite com a cebolinha.

2 comentários:

Rosah Casanova disse...

Lucila, querida, como sempre tuas estórias me emocionam. Hoje, ao ler a história, que encabeça a receita da sopa, fiquei bastante sensibilizada. Vi passar frente aos meus olhos uma enormidade de mulheres que vamos conhecendo, ou sabendo da existência, com o passar dos anos, mulheres que sofrem e que amam e que se deixam maltratar em nome desse amor.
Bem, em contrapartida, a história da sua visita ao Bazar de Istambul veio cheia de alegrias, momentos sensoriais e cores. Eu, sendo artista plástica, encantei-me ao imaginar a quantidade de cores que você viu, a quantidade de cheiros que você sentiu. E, por fim, ao VER a foto, "fiquei de quatro".
Parabéns pelas suas receitas e pela sua sensibilidade ao escrever. Não poderíamos esperar outra coisa da mulher em que você se transformou: uma flor de sensibilidade e de fortaleza.
Beijos saudosos da
Rosah

Unknown disse...

Oi Lucila!
Aqui e a Tia Alcy, adorei o seu blog. Quem me mostrou foi a Giovanna. Saudades de voces. beijos a todos.